Mihail Dinisiuc
O medo é um lance ardiloso. Não importa que digam que se trata de um traço evolutivo importante, que se não fosse por ele nos atiraríamos na jaula do leão, nos trilhos do trem. Um afeto que nos garante a sobrevivência mas ameaça de tantas formas a vida me parece uma falha enorme na seleção natural.
Estou falando do medo da escrita, mas não apenas dele. Porque às vezes o medo de escrever é precedido por um variado cortejo fúnebre. É o medo de dar as caras, de dar a cara à tapa. O medo tem muitas caras.
Um deles é o da responsabilidade. Não faço isso porque seria imprudente. Como contestar?
Outro é o da fadiga, do stress. Estou cansado, faço tanto, não tenho tempo! O que ouço, muitas vezes, aí, é medo.
Outra face é o da dispersão. Quero isso e aquilo, não quero mais, acordo, mudo de ideia. Isso porque o medo provoca recusas e denegações, mecanismos de defesa melindrosos que se deslocam quando achamos que tínhamos nos livrado dele. O medo se esconde da gente, inclusive, sem deixar de exercer sua influência.
Há o medo que provoca o sono, o torpor, uma posição passiva. Fico aí, assistindo ao espetáculo do mundo, admirado, aprendiz. Isso de ser só aprendiz, o tempo todo. De não mostrar o meu texto. De pedir autorização para tudo. Então: é medo, também.
Tem o medo raivoso, que encontra falhas em toda parte. O mundo está todo equivocado, imperfeito. As pessoas não são confiáveis, não correspondem ao que esperamos delas. A raiva invocada, desconstrutivista, pode ser medo de agir. Alguém pode achar que lapidar o comportamento alheio nos ajuda a preservar-nos das críticas dos outros. É um preparo para o meu próprio agir. Que nada. É medo.
Não assumo plenamente o meu desejo porque tenho medo. Faço vinte, trinta por cento do que poderia, porque tenho medo de ser inteiro, e por isso exagero ou excluo coisa minha.
Na pandemia, grande parte destes temores neuróticos pareceram justificados. Vou ficar aqui, escondido. Fechado. Afinal, está todo mundo isolado. Já nem sei o que estão fazendo. Não está acontecendo nada. Melhor esperar.
Esperar pode ser a coisa mais sábia do mundo. A paciência, o cuidado. Já falamos disso, também.
Mas tudo tem um limite. Você saberá o seu. Sem problemas se ele for pautado pelo medo realista. Que ele não seja pautado pelo medo neurótico. Uma coisa é não querer que alguém espirre em você. Outra é deixar a alma hibernando, sonhando com uma primavera quimérica.
A propósito, gravei um episódio de Prelo sobre este tema. Você pode conferi-lo clicando aqui!