Não sei quanto a você, mas para mim o adormecer é uma queda de braço. Estou embarcando no sono. E percebo isso. E desperto mais uma vez. É preciso recomeçar.
Até que enfim os pensamentos começam a tomar vontade própria, a consciência baixa a guarda. A vigilante do dia, a instância da alma que se preocupa, obrigada a fazer escolhas, que te diz o que sentir, o que afetar e em que medida somos afetados. De olhos fechados, no escuro (a luz é amiga da consciência, as coisas do mundo – cheiro, paisagem, ruídos – não conseguem deixar de suscitar ações e associações, linhas de pensamento), um teatro termina para outro começar.
Existem as associações conscientes e as inconscientes. As inconscientes são aquelas que ocupam o lugar da luz (e navegam na noite do dia). São ativas e mostram que não somos nós a pensar. É algo em nós que se pensa. Sem a consciência, o pensamento substitui a realidade. Trata-se da realidade psíquica, uma ficção (a base das ficções): tem história, personagens, acontecimentos. Uma sequência gera outra e depois outra. Sheherazade e o rei Shariar. São ecos da luz, decompostos – o absurdo, a confusão de rotos norteados por um elã.
E este elã – que não é consciência, não são os pensamentos (mas os puxa como fios, e cria tramas intrincadas com eles), é o que somos, o estrangeiro, o assoalho pélvico do aparato psíquico. Selvagem e desperto, noite e dia. A fábrica das histórias. O forjador das criações que suprem a luz. É a relação com as coisas e a não-relação.
A consciência não é o sol deste sistema. A consciência gira em torno deste elã, deste que sou quando não estou.
É deste que trata o mestre zen e os filhos da cura pela fala.
Em algum momento, será preciso abdicar das âncoras da consciência: o relógio, o prazo, a prioridade. A confiança é uma confidência deste elã ao qual será preciso entregar-se, ao menos no momento de expressar aquilo que vale a pena sobre o papel.