Nossas leituras são caminhos imaginários. Modos de sonhar. Uma dilatação da vida. Desprovido delas, afogamos na realidade, ofuscados pela macilência do pragmatismo e por uma crescente miopia.

Chegou o momento da retrospectiva. Eis as melhores leituras de 2024:

Bambino a Roma. É a aventura real e inventada de um Chico Buarque de calças curtas, que migra com a família para a capital italiana. As ruas, os amiguinhos, a escola, – mas sobretudo uma aura de filme estrangeiro, um ar de nostalgia, a voz do Chico em cada curva de página.

Um teto todo seu, Virginia Woolf. Não se deixe desanimar pelas primeiras trinta páginas. A autora analisa as condições de trabalho das mulheres das letras dos últimos duzentos anos, ironiza a intelligentsia masculina, denuncia sua postura afetada e condescendente e discute a influência dos recursos materiais na produção de boa literatura.

Seicho Matsumoto, Un lugar desconocido. Tomo a liberdade de mencionar um livro raro (ao menos por enquanto), traduzido do japonês para o espanhol, um romance policial escrito por um dos mestres do gênero. É a história de um alto funcionário do governo que recebe a notícia da morte súbita da esposa. Depois do funeral, ele passa a se fazer perguntas acerca do lugar onde ela morreu, desconfia de sua fidelidade e mergulha em uma busca trágica e obsessiva.​

Escassez. Sendhil Mullainathan, Eldar Shamir. Confesso que, se não fosse uma recomendação, eu jamais compraria uma obra com este título. A leitura abriu a minha cabeça acerca de como o nosso pensamento opera em situações de tranquilidade ou apuro financeiro. Os economistas indianos se interessam pelas armadilhas recorrentes em que pessoas com baixo poder aquisitivo recaem. A escrita é clara e fluente, as pesquisas apresentadas são fascinantes.

Édouard Louis, obras completas. Os livros do autoficcionista francês são quase todos curtinhos e acessíveis. Comprei “Lutas e metamorfoses de uma mulher” no Kindle durante minha lua-de-mel e fui lendo os outros na sequência: “Quem matou meu pai”, “Mudar: Método” (o melhor, a meu ver), e “Monique se Liberta”. Depois, fui atrás do mestre e amigo de Édouard, Didier Eribon. Os livros abordam as mesmas questões, revisitam os mesmos episódios biográficos do autor: a passagem de uma classe social baixa e opressiva em um vilarejo operário para o meio privilegiado intelectual e cultural parisiense. Fala diretamente com as obsessões de ascensão social e o pavor à pobreza tão familiares à nossa cultura.

Nagomi, Ken Mogi. É o mesmo autor que escreveu “Ikigai”, um neurocientista japonês e excelente contador de histórias. Como no outro livro, ele se dispõe a apresentar um conceito da cultura nipônica, “nagomi”, uma ideia de equilíbrio em distintas dimensões da vida: nos relacionamentos familiares, na alimentação, nas artes e arquitetura, na saúde e na criatividade. Reconheço que o livro integra um estilo de não ficção apelativo (a quarta capa parece feita sob medida nesse gênero: “Nagomi é o segredo japonês para encontrar o bem-estar e a harmonia.”). Mas sou fascinado pelas culturas asiáticas, e é ali que ele me toca. Se é o seu caso, recomendo!

Um bairro distante. Jiro Taniguchi. É uma história em quadrinhos. Imagine que você é um empresário e toma um trem de volta ao bairro da sua infância. Seus passos o levam ao cemitério onde seus pais estão enterrados. Você sente sono, e cochila debaixo de uma árvore. Quando acorda, está com 14 anos. Você está no ginásio. Todos estão vivos e você volta a viver entre eles, mas com a consciência de um adulto. É a oportunidade de descobrir por que, afinal, seu pai largou a família, de responder a perguntas que o atormentaram ao longo desses anos todos.

São sete obras, das 45 que li até agora. Não são as únicas de que gostei. Poderia falar de mais uns dez livros pelo menos, mas deixemos estes para um outro momento.

E você? Quais foram os dois, ou três, ou cinco livros mais bacanas que leu este ano?

Um abraço!

Tiago

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