Já há muito que se afirma que o perfeccionismo é uma conduta defensiva, a relação com uma ideia imaginária ao mesmo tempo cruel, ineficaz e excessiva.
O perfeccionismo na criação literária é uma receita para a paralisia e o constrangimento, para um relacionamento obra-autor-meio literário submisso e humilhante. O perfeccionismo, no fim das contas, não sabe o que quer. É a hipnose exercida pela miragem. Um sintoma neurótico.
Cumpre, contudo, desenhar uma diferença. Se o perfeccionismo é um obstáculo ao fazer criativo, há, sem dúvida, uma inquietação artística que precisa permanecer.
A esta inquietação, podemos dar o nome de iteração. Do Houaiss, “processo de resolução de uma equação mediante operações em que sucessivamente o objeto de cada uma é o resultado da que a precede”. A iteração é, em outras palavras, uma insistência benigna, uma investigação vertical.
A iteração não se contenta com a primeira versão. Com o primeiro sentido, a primeira solução de qualquer problema. Ela insiste. Ela quer entender. Aborda o problema por todos os seus ângulos. Encontra outros depois de uma noite bem dormida. Deixa que o corpo todo se ocupe de uma matéria, impregna-se com sua complexidade. Faz perguntas e mais perguntas às primeiras.
A iteração é diferente do perfeccionismo, porque não trata de miragens. O perfeccionista sonha com a escultura perfeita. A iteração tem o cinzel e o martelo nas mãos. O perfeccionismo devaneia com o dia em que tudo estará concluído. A iteração não perde tempo com isso e tem os olhos no presente.
O perfeccionismo busca a iluminação; a iteração vai lavar os pratos.
A insistência do trabalho abdicou há muito das miragens. Ela transforma a ansiedade numa curiosidade. É a postura de Miró descrita no ensaio de João Cabral, um “saber-não-chegar”.
Para isso, precisamos abdicar da perfeição. Precisamos de prazer, de uma inquietação calma. É por isso que a iteração combina tão bem com o conceito de wabi-sabi asiático, sua aspereza, sua simplicidade, sua modéstia e austeridade.
Marcas de chuva, marcas do uso, a irregularidade das rochas, a madeira escurecida pela água – tudo isso carrega uma serenidade alheia às obsessões plásticas dos liftings, implantes e aberrações de uma arte de inteligência artificial, da obsessão pela juventude que é ela própria decadente.
Não há pressa. Temos todo o tempo do mundo. Na gramática universal, o tempo é infinito. A única coisa para a qual sempre faltará tempo é na ilusão de viver nos medos e expectativas de um futuro inalcançável, de uma quimera cheia de patas.