Eu adoro histórias de autores e de como trabalham. E adoro ver como eles podem operar sob métodos tão singulares quanto as suas personalidades.
Numa leitura recente, fiquei sabendo que Danielle Steel – todos já ouvimos falar dela – já escreveu 210 livros ao longo da vida. Fui levantar o número exato, mas os sites da internet apresentam resultados distintos. Isso porque como ela publica sete livros por ano, a quantidade depende do mês e do ano de publicação da matéria.
Como ela faz isso? Sacrificando totalmente um suposto equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Numa entrevista famosa, ela dizia escrever 20 horas todos os dias. Em alguns dias do mês, conseguia chegar a vinte e quatro horas, como uma médica plantonista. A autora diz passar meses sem usar uma escova de cabelo. Sua comida é entregue no escritório, e é lá que ela faz as refeições. Atrás da sua mesa, ela pregou uma placa que diz: “Não existem milagres. Apenas disciplina.” Quando começa um livro, ela não faz outra coisa até terminar a primeira versão da obra. Sua rotina continua mais ou menos a mesma, mesmo aos 77 anos.
“Viva ou morta, faça chuva ou faça sol, chego à minha mesa e faço meu trabalho. Às vezes termino um livro pela manhã e, no final do dia, já começo outro projeto.”
Pesquisadores do sono ouvidos pelo jornal The Guardian disseram que ela devia estar superestimando a sua resiliência, que não era possível dormir apenas quatro horas por noite durante meses e anos seguidos e operar com plena capacidade criativa. Outro entrevistado levantava a hipótese de que ela poderia ser um caso raro de pessoa com ciclo circadiano alterado, derivado de um gene modificado.
De um jeito ou de outro, ela parece contestar uma teoria – e é disso que se trata o livro O lado bom das expectativas, de David Robson, de onde retirei esta história –, de que a fadiga mental é um dado fixo. Todos já ouvimos falar que a atividade intelectual consome a glicose do sangue, e de outros achados como a fadiga decisória e o esgotamento da força de vontade ao longo do dia. Ao que parece, contudo, nossas crenças exercem tanto impacto em nosso desempenho quanto as horas de trabalho. E há algumas pesquisas incríveis que validam a hipótese. Veronika Job, da Universidade de Viena, na Áustria, é uma das pessoas que investigam como as nossas convicções sobre os recursos do cérebro podem mudar nossa experiência de esgotamento do ego e nossa capacidade de permanecer concentrados por longos períodos de tempo.
Fazendo o que gosta, Danielle Steel diz achar absurda a ideia de se sentir cansada. É evidente que ninguém precisa escrever sete livros por ano. E que talvez o seu livro número 39 seja bastante parecido com o livro número 124. Danielle Steel escreve porque gosta de escrever. O impressionante é como, neste ritmo, ela continue inventando histórias sedutoras para os seus leitores.
Em nosso tempo, somos vítimas do que Byung Chul-Han chamou de Sociedade do Cansaço. A precarização do trabalho é um fato. Há quem diga que os celulares são responsáveis por nos deixar realmente esgotados. Neste imbroglio, acredito que é sempre bom fazer uma distinção entre experiência do trabalho alienado e do ofício não-alienado (como a escrita). Que estamos tão condicionados à fadiga do labor sem sentido que às vezes julgamos encontrá-la no momento em que buscamos a nossa paixão.
Pessoalmente, eu jamais tentaria algo parecido a vinte horas diárias de escrita. Mas a pesquisa de Job e o caso de Steel nos fazem cogitar que, se uma mulher de 77 anos consegue escrever sete livros em um ano, talvez todos sejamos capazes de concluir a primeira versão de um livro no mesmo período, sem perdermos nossos banhos diários e uma boa dose de vida social.
IMPORTANTE: Semana que vem, quinta-feira, damos início à nova temporada de Prelo! 😊 🛑 🔉 E seguiremos nessa conversa: como mobilizar as nossas reservas mentais inexploradas e superar a tendência a nos subestimarmos. Aguarde!
Um grande abraço!
Tiago