O ideal, como sabemos, é não se deter.

Mas a vida é escassa deste fruto quimérico, e no mais das vezes, temos de nos contentar com versões menos suculentas que o ideal.

Começamos um livro. Paramos. (Filhos, trabalho, inseguranças…) Retomamos. Paramos outra vez. Em algum momento, o texto parece caminhar para trás, perdendo peso, gravidade.

Por que mesmo eu estava contando essa história? Outra ideia se insinua. A obra por terminar parecerá um pouco ruína, um lugar onde revisito um autor antigo, uma versão mais inocente de mim mesmo.

O que faço com meus velhos trejeitos? São minhas marcas? Meu estilo? Confio neles?

O ideal é não abandonar um texto tempo demais. Um livro é um acordo com certo tempo próprio. Outros procuram conversar com o futuro (o caso de Finnegan’s Wake, de Joyce, dentre tantos outros que estão aí e que não me deixam mentir). Um livro escrito pela autora, pelo autor que ainda serei. Pela pessoa que firmará os exemplares.

Três dicas para uma retomada.

… Baseio-me nas minhas próprias retomadas. Escrevo agora um livro que desejo terminar de vez em trinta dias. A pesquisa preliminar deu-se em 2020. Comecei mesmo a escrevê-lo em fevereiro deste ano, dei uma parada em junho (cinco meses). Retomei em setembro, um pouco claudicante. Parei uma semana, e agora falta pouco. Umas duas, três mil palavras. Um prefácio, a revisão de todo o material. (mais três meses entre setembro e novembro, totalizando oito meses – nada mal para um original de 65 mil palavras que exigiu um bocado de leituras). Mas, como disse, talvez a coisa siga de outra forma …

Vamos às três dicas:

1. Sempre que retomar, comece relendo tudo o que escreveu. Se o que estiver escrevendo é uma prosa com continuidade, evite o impulso de fragmentá-lo em ideias muitos soltas num caderno, no celular. Se mesmo assim elas surgirem desta maneira, não se esqueça de pensá-las de dentro da obra. Não há nada pior que um livro de fragmentos preguiçosos, que relega ao leitor o trabalho de edição e interpretação. Certamente não era isso que Umberto Eco queria dizer com uma obra aberta.

2. Na retomada, provavelmente as redundâncias darão as caras e se tornarão mais evidentes. Algumas passagens parecerão bobas, pueris. O que faço nesses casos? Crio uma cópia do arquivo, com o nome do livro e nova data (“Retomadas-28out21.docx”, por exemplo), e corto o que não me agrada. Não hesite em fazer isso. Afinal, você terá a versão anterior, caso se arrependa de algum arremate mais inclemente. Na maior parte das vezes, o inédito se revelará para você com mais intensidade, com uma força que não tinha.

3. Logo depois da releitura, escreva, prossiga, retome, como se estivesse assobiando no ritmo da música que está escutando, como se estivesse lendo a sua continuidade. Não se preocupe se a coisa brotar devagar, claudicante. Haja com paciência, mas também com insistência. Procure frequentar o texto com mais assiduidade (digamos, durante cinco dias seguidos, sem interrupções), para “entender” novamente o que era isso que você estava fazendo.

Muito se diz sobre a escrita homeopática, elaborada, que se escreve nos intervalos, nos tempos vazios, nas manhãs em que a família ainda não acordou, e que vai se erigindo quase que por acidente, como as estalactites de uma caverna. Mas você pode retomar um livro com a disposição de terminá-lo. Colocar para si um prazo para a primeira versão. Tem coisas que só assim. Vai depender do seu livro, da sua índole. Não desconsidere a possibilidade.

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